Eu comecei uma grande limpeza em casa.
Faz quase dois anos que estou neste apartamento e carreguei coisas demais desde quando saí do Pinheirinho, bairro que passei boa parte da minha vida, aos 20 anos. Caixas de papéis, cartas, cadernos. Um zilhão de cacarecos daqueles que a gente acha que vai usar um dia e acaba nunca usando.
Para ajudar, sou do time dos cadernos. Tenho um sistema (que eu mesma implementei na empresa), mas eu gosto mesmo do bom e velho papel, em branco, sem pauta, livre. Neles faço anotações das mentorias, faço os planejamentos, roteiros, escrevo a minha consulta anual com a astróloga.
Num destes cadernos revisitei uma das aulas de MBA que tive lá em 2014 (10 anos atrás - exatamente) - foto acima. Era uma aula de Branding com um daqueles professores de mercado fantásticos. Eu amava esta aula. Eu trabalhava com inteligência de mercado numa grande organização e sonhava migrar minha carreira pro Marketing. Era a única aula que eu anotava tudo e mal piscava. Matemática sempre foi fácil, processos sempre foi um saco. Branding era aquele respiro delicioso dos sábados e eis me aqui hoje vivendo dele.
Encontrar este caderno me fez refletir no quanto embora o mundo se transforme e mude muito, as pessoas seguem iguais. Mudamos aqui e acolá, mas somos os mesmos. Por isso o conselho da avó é tão vanguardista ao nosso olhar, porque antes da pele enrugar, o peito cair e o cabelo ficar branco, morava ali uma moçoila cheia de colágeno, seios empinados e sonhos audaciosos. Ainda que o tempo passe, a vida se modernize, a cultura sofra ajustes, no fim do dia somos apenas humanos e nossa humanidade nos aproxima mais do que imaginamos ser possível.
O amido de milho é Maizena, a sandália de borracha é Havaianas, e o desejo humano é de pertencer, ser amado e sentir-se protegido. Em 1920 ou em 2020.
No Marketing, a propaganda foi pro instagram, a celebridade é a influencer, mas os 4P's criados pelo prof. Jerome em 1960 que Kotler difundiu, segue sendo uma das formas mais inteligentes de se pensar marketing de forma generalista.
Na vida, um pouco de Aristóteles, Rand, Cício, Freud, um pouco da Bíblia, um pouco de Jung, uma ou outra teoria aqui e acolá, Beatles, Caetano, alguns cineastas e artistas e podemos definir todo mundo da mesma forma.
Seríamos nós os maiores propagadores da fake news da autenticidade?
Somos assim tão autênticos?
O que é ser autêntico se não respeitar sua natureza? E se na natureza somos muito semelhantes, nossas críticas ao que nos parece ser unanimidade seria fundamentada?
Quantas pessoas de cabelo colorido que você conheceu que retomaram ou estão retomando o cabelo natural depois do boom de perfis de influenciadores conservadores? Só que eu posso contar na mão, umas cinco.
Quantos discursos de “não ligo pra dinheiro” seguidos de: conheci fulano, dono da empresa X, você já ouviu? ou o “não me importo com beleza” seguidos de: ele é lindo, tem 1,85, olhos verdes?
A hipocrisia é uma mochilinha que todo ser humano carrega e finge não ver. É assim desde que o mundo é mundo, nunca deixará de ser.
Por isso não é tão difícil assim prever consumos se estudamos a fundo comportamento de consumo; por isso a indústria da maternidade sabe que pode cobrar preços inimagináveis por meio pedaço de pano de mães apaixonadas, a indústria do emagrecimento está sempre lançando o novo chá milagroso com a mais nova fórmula inovadora e os esportes movimentam tanto dinheiro desde a Grécia Antiga.
Somos mais um.
Este ano faz sete anos que deixei pra trás um salário garantido, um bônus anual, um plano de saúde premium e uma previdência privada em que a empresa dobrava o aporte mensal.
Saí pra empreender, por entender que meu potencial não era aproveitado numa caixinha que contempla descrição de cargo e ainda que a vida do empreendedor seja por vezes insalubre e ferrada muitos motivos me fazem acreditar que tomei a melhor decisão que poderia ter tomado. Tive medo de morrer de fome? Tive. Tive pânico? Tive. Normal para alguém que veio da classe C e não tinha pra onde correr, mas no fim das contas deu certo e eis me aqui anos depois ouvindo pessoas insatisfeitas no corporativo diariamente e eis o que mais tenho ouvido: